É fundamental refletirmos sobre os primeiros instantes de vínculo entre bebê e mãe...
Compartilho com vocês o texto da Anne Rammi no superdupper.com.br
DE CARA COM A CESÁREA
Quando você vai "escolher o parto de seu filho" tem uma coisa sobre a
cesárea que ninguém te conta: ela é feia pacas. Feia no sentido visual
da palavra, sem atribuir a conotação emocional da beleza.
Ontem eu fui assistir uma sessão especial do filme O Renascimento do Parto,
e uma coisa muito tensa aconteceu: eu fiquei de frente com os
fantasmas, meus e de outras mães, que passaram por cesáreas mal
indicadas, por coação, e portanto, símbolos de violência obstétrica.
Não há um texto, uma blogueira ativista, uma equipe de parto, um grupo
de apoio, uma história macabra da manicure, um conselho da vizinha que
nos faça entrar em contato com esse lado verdadeiro do procedimento
cirúrgico mais famosos do Brasil: a cirurgia cesariana é assustadora,
visualmente falando.
As cenas do filme que tratam especificamente dos procedimentos da cesárea são devastadoras.
Uma mãe que passa pela cirurgia não tem a perspectiva real do
acontecido, e suponho, talvez por isso, muitas e muitas mulheres não se
sentem violentadas. Muitas e muitas mulheres defendem esse tipo de
"escolha" ferozmente. E muitas e muitas e muitas se sentem pessoalmente
atacadas quando alguém professa (como eu) que o procedimento cirúrgico
da cesariana é feio, tenso e cruel.
Ontem, sentadinha na cadeira ao lado do meu marido - ele sim, junto com a
equipe médica e toda uma família que viu sob a ótica do expectador o
procedimento para extração do meu filho de dentro do meu corpo - eu tive
contato com as cenas mais desrespeitosas, e fundamentalmente tristes.
Lamento por mim, por aquelas que já entenderam pelo que passaram, por
aquelas que ainda vão entender e por todas as outras que jamais
entrarão em contato com o reconhecimento dessa violência, que todas nós
tivemos que passar, por coação, opção ou acaso, por esse procedimento no
momento do nascimento dos nossos filhos.
O mais importante agora é espalhar informação. O filme é um documentário
conceitual completo sobre o tema, que vai abalar as estruturas do
sistema obstétrico vigente, se existe um deus, ele está feliz. Mas mais
do que isso é uma obra visual. O impacto é inegável. Depois de ver
aquilo, não há dúvida sobre qual caminho tomar.
Por enquanto só há o Promo, que já dá o recado da importância desse lançamento. O filme na íntegra deve sair em breve.
Enquanto isso, para efeito de resumo, ainda usando do recurso falido de
dizer através de palavras as coisas que só imagens podem explicar, a
mulher nunca está de cara com a cesárea.
A mãe vê:
Um corredor de luzes hospitalares passando no teto, alguns fios de seu
cabelo mal ajambrados dentro de uma toca, uns passantes no corredor, um
reflexo de porta se abrindo, o teto e o relógio na parede. Por alguns
instantes sentadas, consegue ver o geral do centro cirúrgico, muitos
equipamentos, muitas máquinas, os médicos e enfermeiras tomando posição.
Deitada novamente vê por cima da cabeça o rosto do marido e muitas
vezes do anestesista. Um pano azul que domina 70% do campo visual. Uma
enfermeira na lateral instala coisas em seus braços. Se estiver em uma
sala de cirurgia tipo aquário, verá também de canto de olho, ao fim dos
braços injetados com soros e monitores, as pessoas que acompanham o
procedimento. Em coisa de 10 ou 15 minutos, permanece vendo os cotovelos
dos médicos, que quando se juntam com as sensações de empurra-empurra
na barriga, o cheiro de carne queimada e o som do grito do bebê
diagnosticam o nascimento.
A mãe é a última a ver o filho na cirurgia cesariana. A visualização do
bebê varia em muitos casos, algumas mães tem a possibilidade de ficar
com ele por mais tempo. Mas a cirurgia clássica permite alguns segundos,
que misturam novamente a audição para os gemidos do feto recém
extraído, o cheiro dos líquidos do útero, o gosto salgado se ela tentar
beijar o filho. Mas normalmente essa criança é vista pela mãe de
relance, e lateralmente, normalmente de ponta cabeça, já que ela está
deitada.
Volta a cena do marido, do anestesista, de outros membros da equipe de
toucas passando por cima da cabeça. Novamente um transporte rápido pelos
corredores iluminados e o filme da cesárea na visão da vítima termina
normalmente na penumbra de algum quarto de recuperação. Onde só se
enxerga cortinas e paredes.
O expectador vê:
Uma mulher deitada em uma maca, devidamente despida e depilada antes de
ser colocada na maca sendo empurrada com profissionalismo por uma
equipe médica rumo ao centro cirúrgico, e familiares e passantes em
volta desejando-lhe boa hora. A mulher impotente e nua é esterilizada
com iodo como um grande pedação de carne, prestes a ser cortada. Ela é
anestesiada muitas vezes através de várias tentativas de uma picada na
coluna e colocada novamente deitada. Outros dois membros da equipe
trabalham em seus braços, colocando-a em posição de cruz, para o acesso
às veias e monitores de batimentos cardíacos e pressão. Ela está ligada à
máquinas por todos os lados, que se não fosse o volume da barriga,
poderia-se dizer que vai passar por alguma cirurgia para corrigir um
problema de saúde terrível. A sala é cheia de bancadas com maquinário
que só se vê em filme de hospital, para dar vida aos mortos. As mesinhas
que apoiam os instrumentos médicos contam com uma infinidade de tipos
de tesouras, bisturis, pinças, pás (tipo colheres de fórceps) que estão
ali à disposição doprofissional médico caso ele precise puxar a cabeça
do bebê de dentro do resistente buraco de sete camadas de tecido
materno. Quando o procedimento começa, quem está na lateral, lá na
posição do aquário, não teria a vista privilegiada de assistir a remoção
do bebê na íntegra. Mas vê um amontoado de panos, que divide em uma
ponta uma grande quantidade de seres humanos encapuzados de verde ou
azul e na outra só uma cabecinha, com alguns fios de cablo mal
ajambrados dentro de uma toca. Normalmente uma cabecinha aflita e
emocionada. No ponto de vista do pai, do médico e da equipe a cena é
outra. O pedaço de carne devidamente esterilizado está à mostra
altamente iluminado, todo o resto cobre-se por panos. A cor da pele, com
o toque do bisturi vai se abrindo primeiro em sangue, depois em
gordura, depois em órgãos e assim por diante até nitidamente atingir o
fim. É bastante, bastante sangrento. As mãos do médico vão dançando o
bisturi e esgarçando a pele uma, duas, três, duzentas vezes, enquanto
pinças, gazes, panos vão limpando e abrindo caminho para a remoção do
bebê. Colocam uma espécie de alargador de metal para manter o buraco
aberto. Em coisa de 10 ou 15 minutos aparece normalmente a cabeça, com
os cabelinhos molhados que entope a saída das águas de dentro do útero. O
médico coloca as mãos abraçando a cabeça, fazendo a força externa. Essa
imagem é impressionante, da força mecânica necessária para remover
aquela criança de dentro do buraco. Não é suave. É brutal. Ali pode ser
que se veja a tal pinça, o fórceps entrando em ação. Ou as mãos
enluvaradas balançando o crânio do bebê de um lado para outro. Escapam
as águas e jorra sangue e líquidopara todos os lados. O bebê sai
cinzento, grudento, de olhos fechados. Pode ter uma cara séria de quem
estava dormindo, ou uma enorme boca arroxeada em protesto. Não sei o que
todos os expectadores de cesáreas do mundo viram nos rostos dos bebês,
mas acho que não viram felicidade, nem prazer. Aquele corpinho inerte é
colocado acima dos panos, na região da vagina e coxas da mãe. Pode ser
que haja tapas, esfregões e chacoalhões para que o bebê comece a
respirar. Clamps e tesouras interrompem o fluxo do cordão. O orgulhoso
pai faz o corte, sua parte única parte ativa. Repito, é violento. Alguns
médicos partem direto para os procedimentos, antes mesmo de mostrar o
bebê para mãe. Outros pegam a criança como um frango, pelas perninhas na
altura do tornozelo e apoiando a cabeça fazem um vôo até aquela única
parte da mãe que está ativa, e ironicamente podada, os olhos. E
normalmente essa criança é vista pela mãe de relance, e lateralmente,
normalmente de ponta cabeça, já que ela está deitada. Seguem os
procedimentos. A gente vê o bebê ser colocado de braços abertos,
apavorado, saído de um ambiente quentinho para uma sala com ar
condicionado, numa balança, enquanto pediatra e enfermeira registram em
muitos papéis os números que encontram. Carimbam o pé do bebê,
colocam-lhe pulseiras nos pés e braços. Começam a esticar-lhe o corpo
que até então só conhecia a posição fetal para ver sua altura. Insistem
em que fique com a cabeça parada, as pernas retas, com força. Não há
como medir a altura de um bebê se não for na força. Fingam-lhe colíro
nos olhos que nunca viram nada, e esfregam com os dedos. Pegam um
caninho e enfiam na boca e nariz. O bebê luta para se livrar daquilo,
chora, esperneia. Enrolam o bebê e colocam uma touquinha, ele pode
acalmar por alguns instantes. O bebê desaparece em um berço empurrado
por alguém enquanto os médicos finalizam a costura na barriga. Apagam a
luz da sala quando terminam e todos vão embora, deixando a mulher à
cargo da enfermeira que vai levá-la à recuperação. O expectador vai
atrás do bebê. Vê elevadores, muitos corredores e torna a encontrar-se
com aquela vida recém nascida por trás de um vidro. Muitas vezes para
ver um outro alguém dando-lhe um desnecessário e prático banho. Com uma
falta de respeito àquele corpo virgem que é confundida com atenção. O
Bebê vai nu e fraldado para um berço aquecido, onde vai passar as horas
necessárias para o protocolo do hospital até que possa finalmente
reencontrar a sua mãe. Nessa hora são vacinados, medicados e muitas
vezes administrados com leite artificial ou água glicosada, uma vez que
não puderam mamar imediatamente, como uma medida de prevenção a uma
suposta hipoglicemia. Muitos bebês do momento em que são removidos da
barriga da mãe até o momento em que conseguem de novo estar nos braços
dela passam o tempo todo chorando em desespero. Esse processo pode levar
de 4 a 6 horas.***
O filme vai além da cesárea como modalidade de nascimento e trata também de outras formas de violência contra a mulher no momento do parto, com cenas reais de episiotomia, fórceps, manobras de kristeller, partos em decúbito com pernas amarradas, e afins, além de um panorama conceitual indiscutível e apoiado em evidências científicas da necessidade de quebrarmos esses paradigmas, pelo bem coletivo da humanidade, através de entrevistas com pesquisadores renomados mundialmente.
Se você está grávida, pergunte para seu médico quais são os procedimentos que ele vai executar no seu parto e procure não contar com a sua imaginação e "coragem e força" para sustentá-los. Veja as imagens. Quem vê exatamente o que é um desses procedimentos com os olhos da verdade não com os olhos da imaginação, certamente vai optar não passar por uma.
Um eterno exercício de perdão. Nesse momento, todos já haviam visto meu filho. Menos eu. |